sábado, 7 de março de 2009

O Leitor





Livro: O Leitor, Bernhard Schlink,
Record, 2009,239 páginas




Felizmente antes de assistir ao filme O Leitor, que recentemente rendeu(e de forma merecida) o Oscar de melhor atriz a Kate Winslet, fiquei sabendo que o mesmo era baseado num livro de mesmo nome, como sou chato(haaahaha) procurei ler a obra antes de ver a película, que estranhamente não ficou muito(veja bem não ficou muito) atrás do livro.
O enredo tem como tema o batidissimo holocausto, mas Schlink arrisca neste seu romance aborda-lo de uma forma original e parece consegui-lo com sucesso. Até que ponto somos ou não responsáveis pelas nossas ações, numa situação crítica, sujeitos a ordens que não podem ser desobedecidas? Qual a responsabilidade e qual o papel da geração dos filhos das pessoas que, direta ou indiretamente, sobretudo indiretamente, participaram no Holocausto? O livro é inovador nesse aspecto, trazendo a tona a "vergonha alemã".
Ao abordar a paixão de Hanna Schmitz, que foi guarda do campo de concentração de Auschwitz, e Michael Berg, um jovem estudante de Direito, Schlink propõe um dramático ziguezague temporal: entre a década de 50 e os últimos anos do século XX, são os traumas da história da Alemanha (e da Europa) que regressam através de uma intriga que tem também dimensão de tragédia amorosa.
O livro trata de alguns dilemas morais interessantes, Tenho eu o direito ou o dever de revelar algo sobre uma outra pessoa, que pode reduzir sua pena ou até mesmo salvar sua vida, quando essa pessoa se recusa a fazê-lo ela mesma, por considerar o objeto da revelação vexatório? Tenho eu o direito ou o dever de agir no que presumo ser o melhor interesse da pessoa, quando ela própria acha que seu melhor interesse é preservar o segredo e a privacidade de uma condição que considera vergonhosa? Crimes, como os descritos, podem vir a ser expiados ou perdoados e produzir redenção ou reconciliação? Ou é tarefa das vítimas, e seus herdeiros, garantir que até o último culpado recebe sua justa punição?
As sociedades gostam de imaginar que operam com base em princípios morais, mas isso não é verdade: elas operam com base na "lei.Agora, se a lei prescreve comportamentos que são considerados imorais, o que faz a pessoa simples, que quer apenas desempenhar bem o seu trabalho, que não é intelectual, que não filosofa? Hanna Schmitz, mesmo em seu julgamento, em 1966, ainda está perfeitamente convencida de que seu trabalho era guardar as prisioneiras, evitar que fugissem.Como poderia ela abrir a porta da capela para deixá-las escapar do fogo, sim, mas também da custódia em que se encontravam? Ela participou dos crimes nazistas porque “era o trabalho dela” e ela acreditava ser seu dever fazer o seu trabalho bem feito, porque seus chefes estavam no poder legalmente, tinham a autoridade de lhe dizer o que deveria fazer e tinham o direito de esperar que ela fizesse o que lhe era ordenado.
Hanna, apesar de ser descrita por suas vítimas, ou por aqueles que as representam, como um monstro, não é uma pessoa má, ela é uma pessoa simples, que acha que tem de cumprir com o seu dever e fazer, da melhor forma possível, o que os seus chefes lhe ordenam e esperam dela.Quanta gente não pensa do mesmo jeito, e só não comete crimes, pequenos ou horrendos, porque seus chefes nunca lhes pediram que fizesse algo moralmente errado?
Ao separarmos a lei da moralidade, e afirmarmos que, no mundo sócio-político, vale a lei, não a moralidade, nos curvamos ao cinismo daqueles que afirmam, ao ser flagrados em falcatruas de todo tipo, que seu comportamento ficou dentro dos limites da lei. E não é só de falcatruas financeiras que se trata: afinal de contas, Hanna Schmitz agiu dentro dos ditames da lei e, por causa disso, trezentas mulheres inocentes morreram.
A questão do analfabetismo de uma pessoa adulta, mesmo numa sociedade desenvolvida como a Alemanha da época da Segunda Guerra, embora central para a trama, parece ocupar um lugar claramente secundário diante dessas outras grandes questões.
Não sou um expert em literatura alemã(para falar a verdade, em literatura nenhuma), mas parece-me que depois de O Perfume(Suskind, ja resenhado aqui no blog), esse foi o grande livro alemão dos últimos tempos.
Termino com a reflexão que basicamente fecha o livro: Quando, em seu último encontro, Michael pergunta a Hanna se ela tem pensado muito sobre o passado, ela lhe pergunta: sobre o nosso passado? Ele diz que não: sobre o passado em geral. Ela lhe responde: "Não importa o que eu penso. Não importa o que eu sinto. Os mortos continuam mortos”.Isso é verdade: os mortos continuam mortos. Mas o resto não é verdade: o que pensamos e o que sentimos importa. E lendo livros como esse, somos forçados a pensar e a sentir. E se pensarmos e sentirmos, provavelmente corremos menor risco de cometer erros morais e mesmo crimes por estarmos vivendo e agindo em piloto automático.

4 comentários:

  1. Vc expressou bem a sutil diferença entre realizar uma tarefa sabendo ou não/ pensando ou não nas consequencias que seus atos como o simples apertar de um botão em uma câmera de gás em um campo de concentraçao ou deixar 300 prisioneiras serem queimadas pq estava cumprindo seu dever.
    Dentre tantas outras questoes achei que o fato dela ser analfabeta e de certa forma "inocente" por não ter escrito os relatórios e mesmo assim ter tido a maior condenaçao como um propósito. O propósito de fazer-nos sentir, pensar, refletir que os atos da humanidade muitas vezes podem ser cruéis e quem sabe ainda não está acontecendo algo similar em um oriente médio não muito distante.

    Eduardo

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  2. Realmente, foi uma forma inovadora de abordar o holocausto, assunto já tão saturado dentro da cinegrafia e da literatura. Concordo com você, em nada o filme deixa a desejar, comparando-o com o livro. Brilhante trabaalho o do roteirista David Hare! Ótima resenha.

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  3. Se a lei não possui um princípio moral por trás, qual é o princípio que subjaz?

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  4. Será que não havia uma moral nazista?

    E não será um princípio moral o de "obedecer regras e cumprir as tarefas impostas"?

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